A chegada da indústria inteligente

Com máquinas autônomas que “dialogam” entre si, indústria 4.0 pode pautar a mudança do setor e a relação de trabalho nos parques industriais nos próximos anos
* Por Lui Machado – Conteúdo da Revista Indústria Capixaba (Findes) – Produzida pela Línea Publicações (Next Editorial) 
 
Um parque industrial com máquinas totalmente inteligentes. Mais que isso, capazes de verificar um problema, apontar a solução e, eventualmente, aplicá-la por conta própria, utilizando-se de centenas de milhares de sensores que atuam ao mesmo tempo, trocando dados entre si. É esse o cenário posto com a chegada da quarta revolução industrial, ou da assim chamada “indústria 4.0”. O conceito se refere a uma evolução do processo de produção, que utiliza sistemas ciberfísicos e a ideia de “internet das coisas”, que conecta objetos e computadores à web. Isso permite tornar as operações mais inteligentes e autônomas, possibilitando que decisões sejam tomadas pelas próprias máquinas das fábricas, diminuindo os custos, melhorando a produção e aumentando a competitividade. 
 
O panorama apresentado pode parecer coisa de filme de ficção científica, mas não só corresponde a um futuro próximo, como também é considerado o caminho para reposicionar e fortalecer a indústria brasileira em termos de competitividade. Afinal, não é novidade para ninguém que o setor vem passando por um processo de desaceleração ao longo das últimas décadas. Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015 a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) nacional caiu para menos da metade do que era em 1981. Se há 30 anos, a produção do segmento representava quase 22% do crescimento econômico, em 2015 chegou a apenas 9%.
 
A alta carga tributária, a burocracia e a falta de investimentos para solucionar problemas crônicos em logística e transporte são apenas alguns dos motivos apontados para a queda dessa contribuição. “Nas últimas duas décadas, o Brasil focou muito a produção de commodities e deixou de lado a indústria de transformação. Deixou de fazer investimentos importantes, que seriam fundamentais para aumentar nossa competitividade. A indústria extrativa cresceu muito nos últimos anos, mas a de transformação perdeu dinamismo nesse mesmo período”, frisa o economista Orlando Caliman.
 

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Se a primeira década dos anos 2000 representou um período de ouro para o Brasil, com o preço de commodities como minério de ferro e petróleo bruto em alta, hoje o ciclo parece ter chegado ao fim. Com as sucessivas quedas no valor das commodities minerais no mercado mundial, agravadas pela desaceleração chinesa, e ainda com a sua própria crise política e econômica interna, talvez seja hora de o país dar início a um novo ciclo. É o que argumenta Osvaldo Lahoz Maia, gerente de Inovação e Tecnologia do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de São Paulo. Segundo ele, não há tempo a perder e a ordem é entrar “de cabeça” nessa nova onda de automação e inovação. Fortalecer novamente o setor de acordo com o conceito de indústria 4.0 seria mais que uma questão estratégica; seria crucial para a competitividade, por mais complicado que seja este momento de turbulência. 
 
Para Maia, o momento de investir é hoje, enquanto a economia mundial ainda patina. “Em épocas de crise, temos que dar um salto. Você precisa aproveitar para repensar e renovar suas ações. Se ficarmos esperando, aí sim, ficaremos para trás, não só dos países desenvolvidos, porque eles já estão na nossa frente há muito tempo nesse sentido, mas também entre os emergentes. Não podemos ficar tão atrás em competitividade com relação a eles”, afirma. Para o presidente do Sistema Findes, Marcos Guerra, manter-se atualizado é uma questão de pura sobrevivência. “Estamos entrando em uma fase na qual a indústria que não chegar a esse nível de automação dificilmente conseguirá se sustentar no mercado nos próximos 10 anos”, analisa.
 
De fato, às indústrias brasileiras não resta outra alternativa senão investir na automação. Afinal, o caminho para essa evolução industrial já está posto e não deve demorar a ser seguido por nações cuja economia é de porte parecido com a do Brasil, como os BRICS. Os mais desenvolvidos, como França, EUA e Alemanha (primeiro a conceituar essa nova fase industrial), já iniciaram essa trajetória. O desafio, entretanto, é enorme. Para Marcos Guerra, os principais e maiores entraves são de infraestrutura e política de inovação. Segundo ele, o setor precisa cobrar maior transparência por parte do Governo Federal, bem como mais investimentos em logística e energia. É o que também afirma o presidente da Companhia de Desenvolvimento de Vitória (CDV), André Gomide, ao citar a existência de etapas a serem implementadas e desenvolvidas antes. “Precisamos de investimentos em infraestrutura, que tem de ser totalmente otimizada. Para isso, é preciso ter capital degiro, que é um problema estrutural, ligado à saúde financeira das empresas”, observa.
 
Nova relação de trabalho e formação
 
Mas, afinal, o Brasil tem capacidade de mergulhar rapidamente nesse processo de modernização? Para Marcos Guerra, não só tem, como também já há exemplos de indústrias no Estado que possuem nível de automação de primeira linha, dignas dessa nova era. “Temos o polo moveleiro de Linhares, que é bastante moderno, além das empresas de grande porte, como Fibria e Vale”, cita. André Gomide sustenta que essa já é uma realidade muito próxima, mas apenas para as companhias de grande porte. “Eu penso que as maiores vão entrar primeiro, principalmente as automobilísticas, a aeroespacial e a da saúde. As fabricantes de equipamentos também já estão muito perto disso”, defende. Vale ressaltar que, mais importante do que apenas comprar máquinas inteligentes que façam o trabalho, será o investimento na formação de pessoas que saibam desenvolver esses equipamentos ou mesmo operá-los. “É uma questão de evolução”, alega o diretor do Sindicato das Empresas de Informática do Espírito Santo (Sindinfo), Franco Machado.
 
“O homem não pode ficar fadado ao serviço repetitivo e a tendência é que no futuro esse tipo de trabalho seja completamente delegado às máquinas, principalmente em áreas como biotecnologia e robótica”, complementa. Segundo ele, já é bem claro que o perfil dos trabalhadores da indústria, e até mesmo dos engenheiros, sofrerá mudanças profundas na próxima década. Para isso, entretanto, será preciso aperfeiçoar os profissionais de hoje e do futuro, o que tropeça em um gargalo antigo da área de TI: a formação e a capacitação.
 
“Eu vejo isso com uma preocupação grande, porque as universidades em geral não estão capacitadas. Os currículos de Engenharia mudaram muito pouco durante os últimos anos. É preciso modernizar os cursos e ter uma flexibilidade maior para que sejam inseridas neles as características regionais e as necessidades das empresas”, aponta Machado. Um trunfo contra o gargalo crônico da falta de mão de obra qualificada é o Senai. Conforme Marcos Guerra, os cursos ofertados pela instituição podem ser uma porta de entrada de colaboradores que queiram se aprimorar em linha com o que há de mais moderno no momento. “O Senai tem feito um investimento pesado em máquinas, oficinas e laboratórios, que possuem uma estrutura igual ou melhor que as indústrias mais atualizadas do país. Isso serve até como incentivo às empresas locais, as médias e pequenas, que não têm conseguido fazer isso porque estão com sua margem de lucro reduzida”, afirma o dirigente. A chegada da indústria 4.0 pode ser um norte ou um ponto de referência para retomar o crescimento da atividade. O caminho é longo, complicado, mas igualmente necessário para que o país volte a ter um setor competitivo, inovador e grandioso.

 

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